MUSEU DA DANÇA

Stagium 50 anos

Imagem: Emídio Luisi | Domingo, 24 de Outubro de 2021 | por Henrique Rochelle |

Essa semana o Ballet Stagium completou 50 anos: um projeto único, fundador e formador de muito da nossa dança

No Teatro Municipal de Piracicaba, minha cidade natal, tem uma parede com as mãos e assinaturas de grandes artistas que passaram por lá. Desde antes de eu entender o que era aquilo, eu gostava da textura do cimento na parede, e de encaixar as minhas mãos com as marcas desses artistas. Em uma parede de mãos, um dos blocos tinha a marca de pés, e eu nunca podia me encaixar nessa marca, que me intrigava ainda mais. São os pés de Marika Gidali, sempre passando por lugares improváveis.

Essa é a minha lembrança mais antiga do Stagium, mas é claro que a história dessa companhia é algumas vezes maior do que esse tempo que eu lembro. Foi em 23 de outubro de 1971 que o Stagium estreou. Eles dançaram pela primeira vez em Santos, no Teatro Independência. A estreia em São Paulo aconteceria no Theatro São Pedro, em 13 de dezembro do mesmo ano.

Dos primeiros momentos do Stagium, registra-se um intenso cuidado em não fazer grandes promessas. Era um momento complicado pra dança paulistana. Desde o projeto do Ballet do IV Centenário, de 1954, a cidade sabia dos talentos de dança que ainda procuravam oportunidades. E a geração de Marika e Décio é a geração que procurou e inventou muitos grupos e projetos, pra ver o que vingaria.

A primeira companhia particular que teve continuidade foi o Stagium. Ontem, eles completaram 50 anos de atividades, e de criação em dança. A história do Stagium é ilustre pelo seu tempo, mas também pelos projetos únicos, e pelo jeito tão particular de pensar a arte que produzem. Inicialmente numa proposta que é retratada como reinvenção do balé, o Stagium aproveitou a efervescência da cena paulistana dos anos 1970 pra se misturar com o teatro.

Ademar Guerra foi uma das grandes influências e colaboradores desse projeto, que se apoiou sobretudo na circulação como forma de sustentação da companhia. E como eles circularam! Os pés de Marika na parede do teatro da minha cidade natal são exemplo mínimo. Eles levaram dança pra cidades que nunca viram dança antes. Desceram o Rio São Francisco dançando numa barca, foram dançar para os indígenas no Alto Xingu, percorreram o Brasil e o mundo.

Foram chamados de milagre, de mistério, de exemplo. Incansáveis, descobridores, inventores, militantes, operários da dança. Os títulos que reconhecem o Stagium são incontáveis. Em 1992, Linneu Dias escreveu que Décio era o maior coreógrafo que o Brasil já produziu. Vinte anos depois, eles continuam trabalhando. Continua a escola, continua a companhia, continua o que se consegue fazer em projetos sociais. 

O trabalho do Stagium é desses que leva uma vida pra conhecer. Talvez mais. Não é exagero: ele é o trabalho de uma vida inteira. Duas vidas, na verdade, desde o princípio, Marika e Décio — e mais outras que por ali passam e colocam seus corpos e sua dança nesse projeto. E ainda outras tantas que estão nas plateias — tantas plateias —, por todos os cantos onde o Stagium já passou e ainda passa.

50 anos não são 50 dias. Nessa ocasião festiva, a gente aproveita pra reconhecer o trabalho, e agradecer por tudo o que já foi feito. E deixar os votos de que o futuro continue com os frutos que, há gerações, colhemos. A dança de hoje tem uma herança enorme desses 50 anos. Por tanta arte, muito obrigado. E feliz 50 anos.


* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança

*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete a opinião do Portal MUD.




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Henrique Rochelle

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