MURAL DA DANÇA

Audiodescrição na dança

Imagem: Lagartixa na Janela | Quinta, 07 de Junho de 2018 | por Natália Gresenberg |

O que é audiodescrição e como ela pode contribuir para a mediação na dança? Entenda mais e leia depoimentos emocionantes de quem usufrui deste recurso de acessibilidade comunicacional.

Audiodescrição é um recurso de tecnologia assistiva que permite que pessoas com deficiência visual também sejam público de obras audiovisuais. Explicando melhor, é uma “tradução do visual para o verbal”, na qual o audiodescritor descreve, com riqueza de detalhes, informações que só podem ser compreendidas visualmente como, por exemplo, figurino, cenário, expressões faciais e corporais, iluminação, efeitos especiais ou qualquer mudança no tempo e espaço.

A audiodescrição segue um roteiro, que é desenvolvido juntamente com diretores e artistas da obra, seja dança, teatro, cinema ou exposições, a fim de auxiliar na construção de entendimento para o público que a utiliza, trazendo em palavras aquilo que os olhos não podem ver.

Durante as ações do projeto “Em movimento – dança e acessibilidade” desenvolvidas pelo MUD – Museu da Dança, foi realizada a audiodescrição de todas as performances de dança que aconteceram no jardim das esculturas do MAM – Museu da Arte Moderna de São Paulo, que fica no Parque do Ibirapuera.

O resultado foi encantador! Abaixo estão alguns trechos do roteiro de audiodescrição desenvolvido por Lívia Motta, da empresa Ver com Palavras, para a performance “Varal de Nuvens” do grupo Lagartixa na Janela.


“As cinco jovens bailarinas, usando roupas de tecidos estampados, listrados e xadrezes, em tons de vinho, roxo, lilás e azul piscina, com meias coloridas, saem de dentro do MAM, silenciosas e sorridentes, e espalham-se pelo gramado. Cada uma dirige-se para uma escultura diferente, tocando pequenos apitos de madeira que imitam o som dos pássaros.

Taís encosta-se no Relógio do Sol, uma escultura de ferro pintada de preto, alta e fina, com aproximadamente 3 metros de altura. Susana vai em direção a uma grande escultura de alumínio fundido que lembra uma casca de árvore. Tatiana abaixa-se no meio de um escultura intitulada Sectiones Mundi, que parece um labirinto, com metade de um círculo de concreto e ferro ao centro. Bárbara deita-se sobre uma escultura de concreto com oito peças que lembram cornetas colocadas na horizontal (…)

Usam o apito de madeira para emitir sons de passarinhos. Os pássaros escondidos na vegetação exuberante do parque parecem responder…

As bailarinas movimentam-se devagar, deixando o calor do sol esquentar a pele, sentindo a brisa do vento, ouvindo o som dos pássaros. As pessoas em volta observam silenciosas, apontam, sorriem. Algumas sentam-se no gramado, outras procuram a sombra das árvores.

As meninas bailarinas seguram cuidadosamente um pedaço de pano rosado, que assemelha-se a uma nuvem. Colocam na cabeça como que equilibrando a nuvem, algo tão precioso e frágil (…)

Dão alguns passos com os braços abertos, erguendo as nuvens para o alto. Erguem a nuvem para o alto com uma mão, com as duas… Taís nina sua nuvenzinha carinhosamente, como se fosse um bebê. Bárbara coloca a sua nas costas. Algo precioso, suave que pode desfazer-se a qualquer momento.

As bailarinas aproximam-se. Taís abre seu pedaço de tecido. Sua nuvem desmancha-se. Na sequência, as outras bailarinas vão abrindo seus tecidos, e fazendo formas com eles. As nuvens movimentam-se no céu com o sopro do vento, desenhando formas diversas. Na terra, as bailarinas fazem formas de bichos com seus tecidos brancos.

Bárbara sacode seu tecido a frente do corpo, como se fosse a grande tromba de um elefante. Aline abaixa-se e seu movimento desenha a corcova de um camelo. Em seguida amarra o pedaço de tecido na cabeça, deixando as pontas soltas como se fossem os chifres de um grande alce.

Separam-se, correndo com os tecidos ao vento.”


Como se pode ver, a audiodescrição é um instrumento poderoso de mediação, inclusive para público não deficiente. Com as palavras do audiodescritor é possível se imaginar dentro da performance e entender a sutileza lúdica proposta pela diretora do grupo, Uxa Xavier.

“De acordo com a pouca percepção que tenho, não consigo imaginar outra maneira para um deficiente visual acessar um espetáculo de dança, senão pela audiodescrição. No caso de “Varal de Nuvens”, a situação não poderia ser diferente. Por se tratar de uma performance realizada em local aberto, a primeira sensação que se tem é a de que estamos prestes a enfrentar algo extremamente energético e rude. Entretanto, segundo informações que me foram passadas, pude concluir que a coreografia é sim energética, mas é igualmente suave e de fluidez inegável. Assisti ao número num grande parque da cidade de São Paulo, um lugar que, na perspectiva de um cego, dado o seu tamanho, sua imponência, pode parecer opressivo. Contudo, ao me deparar com a dança do grupo LAGARTIXA NA JANELA, tal hostilidade se perdeu. A sensação que carreguei para casa aquele dia foi a de que o lugar também a mim pertence, eu que não enxergo. Se o propósito da apresentação era mudar a relação que a pessoa tem com o espaço público, ela teve grande êxito. Passei, por alguns instantes, embevecido com a impressão de que me tornei íntimo daquele gigante arborizado.” (Edgard Jacques, espectador da performance “Varal de Nuvens” no dia 02 de maio de 2015)


*Descrição da foto para cego ver: fotografia colorida, em primeiro plano (do peito para cima) de Andréia e Cristiana com fones de ouvido e receptores, sorridentes, com um braço para cima, tocando o tecido fino e transparente que voa acima de suas cabeças. 


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Publicado por :



Natália Gresenberg

Gestora cultural e advogada



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